Tu és o Glorioso - 25

Na final de 1968, título do Botafogo com goleada espetacular sobre o Vasco

Atualizado em 07-10-2015 às 13h00

Por Auriel de Almeida - Historiador

Dizer que o Botafogo de 1968 era favorito ao título carioca é muito pouco – quase ninguém tinha dúvidas de que o esquadrão de Gérson, Jairzinho, Caju e cia. seria o primeiro colocado ao fim do campeonato. Mas o valente Vasco surpreendeu, terminando a primeira metade do torneio no topo da tabela com uma vitória convincente de 2 a 0 sobre o Glorioso – seria a única derrota botafoguense na competição.

Mas com o segundo turno veio a normalidade, e o Alvinegro deslanchou. O time venceu todas as partidas e passou o rival, que desandou a tropeçar. Mesmo assim os vascaínos tinham a esperança de que voltariam a vencer o Glorioso na decisão – como de costume, o jogo entre os melhores do turno havia sido marcado para a última rodada. Apenas um ponto separava o Vasco de seu rival, e se os cruzmaltinos já haviam vencido uma vez, porque não conseguiriam uma segunda?

O porquê seria aprendido de forma dolorosa.

O Jogo

A decisão do Campeonato Carioca de 1968 recebeu um público gigantesco: foram mais de 140 mil pessoas, quebrando todos os recordes nacionais de renda até então. Desse total, apenas 120 mil ingressos foram comercializados, sendo os restantes distribuídos de cortesia para as crianças. E se nada como um campeão para conquistar um coração infantil, quase todas devem ter se tornado alvinegras naquele dia, afinal, foram presenteadas com uma das mais belas exibições de um time na história – do Glorioso Botafogo, que arrasou o Vasco por 4 a 0 e conquistou com sobras o bicampeonato do Rio de Janeiro.

Talvez prevendo a derrota, os vascaínos estavam nervosos antes da partida. Seus dirigentes criaram um pequeno mal-estar durante a semana, dizendo-se muito preocupados com a arbitragem e fazendo pressão para que a Federação Carioca de Futebol trocasse os bandeirinhas. Entre os jogadores, o atacante Bianchini afirmou que quebraria a perna de Gérson se fosse preciso. Tudo em vão. Ironicamente, o próprio Bianchini se machucou e ficou de fora do jogo, e o apito de Armando Marques foi seguro, em uma partida tranquila.

Assim que o jogo foi iniciado o Vasco partiu para cima, desordenadamente, e teve uma boa chance com Silvinho, que chutou para a defesa de Cao. A jogada seguinte foi do Botafogo, que viu Gérson lançar para Jairzinho e este chutar para o espalmo de Pedro Paulo. O próprio Gérson, na corrida, conseguiu chegar e pegar o rebote, mas mandou um tiro na trave. Mas se a partida começou disputada, logo a superioridade do Glorioso tornou-se evidente.

Consolidando aos poucos um maior controle de bola, o time abriu o placar aos 15 minutos. Jairzinho, marcado por Ananias, segurou a bola e tocou para Roberto, que avançou na velocidade e venceu Pedro Paulo com facilidade: 1 a 0 para o Botafogo. O Glorioso manteve-se em cima, criando chances de ampliar, e o Vasco da Gama se perdia cada vez mais.

O segundo gol saiu aos 33 minutos, quando Jairzinho escapou de Ananias e tocou para Paulo Cézar, que avançava pela esquerda. O craque cruzou, a bola passou por Roberto e Jair, mas não por Rogério, que emendou de esquerda: 2 a 0. A essa altura o Vasco já não conseguia criar absolutamente nada, e só fazia brigar pela posse de bola. O Glorioso era o senhor da partida.

O técnico do Vasco da Gama, Paulinho de Almeida, aproveitou o intervalo para sacar Ananias, que tomava um baile de Jairzinho, e colocou Sérgio em seu lugar. Acabou trocando seis por meia dúzia, pois nada mudou. O Botafogo seguiu absoluto, e conquistou o terceiro tento aos 14 minutos, com Jairzinho. O jogador recebeu ótima bola de Paulo Cézar, ficou frente a frente com o goleiro rival e só escolheu um canto, colocando a bola nas redes com um toque categórico. Com 3 a 0 no placar a torcida já gritava, sem pudor, “é campeão”, e pedia o tradicional “olé”. Mas o Botafogo seguiu jogando sério – o técnico Zagallo não gostava nem um pouco da humilhação.

A tampa do caixão vascaíno foi fechada aos 22 minutos, quando o goleiro Pedro Paulo deu um passo para fora da área com a bola nas mãos. Na cobrança do tiro livre indireto, Paulo Cézar tocou para o lado e Gérson chutou com rara categoria, encobrindo toda a defesa adversária e acertando o ângulo direito. Um toque de classe do maestro para o quarto gol. Naquele dia, como bem definiu o Canal 100 na voz de Luiz Jatobá, “ninguém poderia vencer o Alvinegro”.

A partida bem que poderia ter terminado ali, pois os últimos 20 minutos foram apenas de festa. A torcida do Vasco, reforçada de flamenguistas – algo impensável nos dias atuais – debandava do estádio, enquanto os torcedores da Estrela Solitária entoavam seu mais novo canto: “É ou não é, piada de salão, o time português querer ser campeão”. Poderia até não ser piada. Mas seria uma injustiça que qualquer outro clube levantasse a taça do Carioca.

O mestre Armando Nogueira foi o que melhor definiu o jogo perfeito do Botafogo naquela tarde. Lembrando que o time praticava “um futebol moderno, de bola tocada, alternando bola profunda, incisiva”, comparou o esquadrão a “uma orquestra, cujos naipes conhecem de ouvido a sua música e a do vizinho”. E os números confirmavam a perfeição, pois o Alvinegro foi o melhor do torneio em absolutamente tudo: melhor ataque, melhor defesa, e ainda teve em Roberto Miranda o artilheiro da competição, com 13 gols.

E durante os festejos na sede de General Severiano, no ritual de vestimenta da camisa no Manequinho, o diretor de futebol Djalma Nogueira anunciou: o Pato Donald, mascote atribuído ao Botafogo nos anos 40, estava aposentado, dando lugar à simpática estátua do menino. Uma homenagem à nova geração de torcedores do Glorioso, conquistada por uma década brilhante.

Vídeo do Canal 100




== Ficha técnica ==

Domingo, 9 de junho de 1968
Botafogo 4 x 0 Vasco da Gama – Local: Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã)
Campeonato Carioca – 2º Turno

Botafogo: Cao, Moreira, Zé Carlos, Sebastião Leônidas e Waltencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo Cézar. Técnico: Zagallo.

Vasco da Gama: Pedro Paulo, Jorge Luiz, Brito, Ananias (Sérgio) e Ferreira; Bougleux e Danilo Menezes; Nado (Alcir), Ney, Walfrido e Silvinho. Técnico: Paulinho de Almeida.

Árbitro: Armando Marques (GB).
Gols: Roberto aos 15/1ºT e Rogério aos 33/1ºT; Jairzinho aos 14/2ºT e Gérson aos 22/2ºT.

Público: 141.689

Por Auriel de Almeida - Historiador

Dizer que o Botafogo de 1968 era favorito ao título carioca é muito pouco – quase ninguém tinha dúvidas de que o esquadrão de Gérson, Jairzinho, Caju e cia. seria o primeiro colocado ao fim do campeonato. Mas o valente Vasco surpreendeu, terminando a primeira metade do torneio no topo da tabela com uma vitória convincente de 2 a 0 sobre o Glorioso – seria a única derrota botafoguense na competição.

Mas com o segundo turno veio a normalidade, e o Alvinegro deslanchou. O time venceu todas as partidas e passou o rival, que desandou a tropeçar. Mesmo assim os vascaínos tinham a esperança de que voltariam a vencer o Glorioso na decisão – como de costume, o jogo entre os melhores do turno havia sido marcado para a última rodada. Apenas um ponto separava o Vasco de seu rival, e se os cruzmaltinos já haviam vencido uma vez, porque não conseguiriam uma segunda?

O porquê seria aprendido de forma dolorosa.

O Jogo

A decisão do Campeonato Carioca de 1968 recebeu um público gigantesco: foram mais de 140 mil pessoas, quebrando todos os recordes nacionais de renda até então. Desse total, apenas 120 mil ingressos foram comercializados, sendo os restantes distribuídos de cortesia para as crianças. E se nada como um campeão para conquistar um coração infantil, quase todas devem ter se tornado alvinegras naquele dia, afinal, foram presenteadas com uma das mais belas exibições de um time na história – do Glorioso Botafogo, que arrasou o Vasco por 4 a 0 e conquistou com sobras o bicampeonato do Rio de Janeiro.

Talvez prevendo a derrota, os vascaínos estavam nervosos antes da partida. Seus dirigentes criaram um pequeno mal-estar durante a semana, dizendo-se muito preocupados com a arbitragem e fazendo pressão para que a Federação Carioca de Futebol trocasse os bandeirinhas. Entre os jogadores, o atacante Bianchini afirmou que quebraria a perna de Gérson se fosse preciso. Tudo em vão. Ironicamente, o próprio Bianchini se machucou e ficou de fora do jogo, e o apito de Armando Marques foi seguro, em uma partida tranquila.

Assim que o jogo foi iniciado o Vasco partiu para cima, desordenadamente, e teve uma boa chance com Silvinho, que chutou para a defesa de Cao. A jogada seguinte foi do Botafogo, que viu Gérson lançar para Jairzinho e este chutar para o espalmo de Pedro Paulo. O próprio Gérson, na corrida, conseguiu chegar e pegar o rebote, mas mandou um tiro na trave. Mas se a partida começou disputada, logo a superioridade do Glorioso tornou-se evidente.

Consolidando aos poucos um maior controle de bola, o time abriu o placar aos 15 minutos. Jairzinho, marcado por Ananias, segurou a bola e tocou para Roberto, que avançou na velocidade e venceu Pedro Paulo com facilidade: 1 a 0 para o Botafogo. O Glorioso manteve-se em cima, criando chances de ampliar, e o Vasco da Gama se perdia cada vez mais.

O segundo gol saiu aos 33 minutos, quando Jairzinho escapou de Ananias e tocou para Paulo Cézar, que avançava pela esquerda. O craque cruzou, a bola passou por Roberto e Jair, mas não por Rogério, que emendou de esquerda: 2 a 0. A essa altura o Vasco já não conseguia criar absolutamente nada, e só fazia brigar pela posse de bola. O Glorioso era o senhor da partida.

O técnico do Vasco da Gama, Paulinho de Almeida, aproveitou o intervalo para sacar Ananias, que tomava um baile de Jairzinho, e colocou Sérgio em seu lugar. Acabou trocando seis por meia dúzia, pois nada mudou. O Botafogo seguiu absoluto, e conquistou o terceiro tento aos 14 minutos, com Jairzinho. O jogador recebeu ótima bola de Paulo Cézar, ficou frente a frente com o goleiro rival e só escolheu um canto, colocando a bola nas redes com um toque categórico. Com 3 a 0 no placar a torcida já gritava, sem pudor, “é campeão”, e pedia o tradicional “olé”. Mas o Botafogo seguiu jogando sério – o técnico Zagallo não gostava nem um pouco da humilhação.

A tampa do caixão vascaíno foi fechada aos 22 minutos, quando o goleiro Pedro Paulo deu um passo para fora da área com a bola nas mãos. Na cobrança do tiro livre indireto, Paulo Cézar tocou para o lado e Gérson chutou com rara categoria, encobrindo toda a defesa adversária e acertando o ângulo direito. Um toque de classe do maestro para o quarto gol. Naquele dia, como bem definiu o Canal 100 na voz de Luiz Jatobá, “ninguém poderia vencer o Alvinegro”.

A partida bem que poderia ter terminado ali, pois os últimos 20 minutos foram apenas de festa. A torcida do Vasco, reforçada de flamenguistas – algo impensável nos dias atuais – debandava do estádio, enquanto os torcedores da Estrela Solitária entoavam seu mais novo canto: “É ou não é, piada de salão, o time português querer ser campeão”. Poderia até não ser piada. Mas seria uma injustiça que qualquer outro clube levantasse a taça do Carioca.

O mestre Armando Nogueira foi o que melhor definiu o jogo perfeito do Botafogo naquela tarde. Lembrando que o time praticava “um futebol moderno, de bola tocada, alternando bola profunda, incisiva”, comparou o esquadrão a “uma orquestra, cujos naipes conhecem de ouvido a sua música e a do vizinho”. E os números confirmavam a perfeição, pois o Alvinegro foi o melhor do torneio em absolutamente tudo: melhor ataque, melhor defesa, e ainda teve em Roberto Miranda o artilheiro da competição, com 13 gols.

E durante os festejos na sede de General Severiano, no ritual de vestimenta da camisa no Manequinho, o diretor de futebol Djalma Nogueira anunciou: o Pato Donald, mascote atribuído ao Botafogo nos anos 40, estava aposentado, dando lugar à simpática estátua do menino. Uma homenagem à nova geração de torcedores do Glorioso, conquistada por uma década brilhante.

Vídeo do Canal 100




== Ficha técnica ==

Domingo, 9 de junho de 1968
Botafogo 4 x 0 Vasco da Gama – Local: Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã)
Campeonato Carioca – 2º Turno

Botafogo: Cao, Moreira, Zé Carlos, Sebastião Leônidas e Waltencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo Cézar. Técnico: Zagallo.

Vasco da Gama: Pedro Paulo, Jorge Luiz, Brito, Ananias (Sérgio) e Ferreira; Bougleux e Danilo Menezes; Nado (Alcir), Ney, Walfrido e Silvinho. Técnico: Paulinho de Almeida.

Árbitro: Armando Marques (GB).
Gols: Roberto aos 15/1ºT e Rogério aos 33/1ºT; Jairzinho aos 14/2ºT e Gérson aos 22/2ºT.

Público: 141.689