Tu És o Glorioso - 20

Com Borrachinha heroico em 1979, Botafogo bate Fla e mantém recorde histórico

Atualizado em 16-06-2015 às 21h00

Por Auriel de Almeida - Historiador

Entre 1977 e 1978 o Glorioso conquistou mais um recorde nacional, ao permanecer invicto por 52 jogos. A série começou em 21 de setembro de 1977, no empate em 1 a 1 com a Portuguesa, e só terminou em 20 de julho de 1978, na derrota para o Grêmio por 3 a 0, com dois gols de Renato Sá.

No mesmo ano em que o Botafogo estabeleceu a marca, outro clube iniciou uma série invicta – o Flamengo. Por meses o esquadrão de Zico, Adílio, Júnior e Rondinelli não soube o que era perder, e conseguiu igualar o feito alvinegro. E justamente contra o Bota, em jogo válido pelo Campeonato Carioca, os rubro-negros poderiam derrubar o recorde – bastava um empate para o Fla estabelecer sua 53ª partida sem derrota. Mas o encontro não foi exatamente uma coincidência.

Esclarecendo: o recorde do Glorioso começou com os dois últimos jogos do Campeonato Carioca de 1977, passou por oito amistosos e contou com nada menos do que 42 partidas do concorrido Campeonato Brasileiro. Já a marca do Flamengo foi construída em cima de 33 jogos da competição estadual e 19 amistosos, sem partidas no torneio nacional. E a quantidade maior de amistosos do Rubro-Negro se devia exatamente à contade que o clube tinha em quebrar o recorde adversário.

Muitos desses jogos foram de qualidade duvidosa, como o combinado “armado às pressas” (palavras do "Jornal do Brasil"), por ABC, Alecrim e América, de Natal. E calculando para que a 53ª partida fosse justamente contra o Botafogo, pelo Campeonato Estadual, o que engrandeceria ainda mais o feito, o Flamengo chegou a jogar tais amistosos dia sim, dia não.

Se a intenção era mesmo quebrar o recorde nacional de invencibilidade, os rubro-negros deveriam ter escolhido outro adversário.

VÍDEO DO CANAL 100



O JOGO

Quando Borrachinha foi anunciado na escalação do Botafogo, a um dia do jogo, a confiança dos rubro-negros triplicou, e os alvinegros jogaram a toalha. Borrachinha era apenas o terceiro goleiro do Bota, que já vinha utilizando o reserva, Ubirajara, no lugar do titular Zé Carlos, hospitalizado após um terrível acidente automobilístico. E se as notícias eram más na defesa, o ataque também ganhava um importante desfalque: Luisinho, artilheiro do clube na temporada, que assim como Ubirajara se machucou na semana do clássico.

Franzino e reserva em todos os times por onde passou, Borrachinha era visto com tanta desconfiança que alguns dirigentes alvinegros fizeram pressão para que Luiz Carlos, goleiro que se destacava nos juvenis, fosse escalado no seu lugar. Mas os que não queriam jogar o jovem no fogo venceram a queda-de-braço, e Borrachinha foi mesmo confirmado para a partida histórica.

O Maracanã recebeu um público enorme – mais de 139 mil pessoas – e a festa estava preparada para o Flamengo. Antes do apito inicial os jogadores do Rubro-Negro foram presenteados com medalhas comemorativas pelo recorde de invencibilidade, até então apenas igualado e prestes a ser batido.

Mas a comemoração não durou muito. Logo aos 9 minutos de jogo Renato Sá – o mesmo que, jogando pelo Grêmio, derrubou a marca alvinegra – aplicou um belo chapéu em Toninho Baiano e chutou com categoria, da entrada da área, no canto direito de Cantarele, que nada pôde fazer: 1 a 0 para o Botafogo. Festa entre os botafoguenses que acreditavam no time, em minoria no estádio.

Foi então que a improvável estrela de Borrachinha começou a brilhar. Com o Flamengo se atirando desesperadamente ao ataque, em busca ao menos de um empate, o goleiro reserva fechou o gol. Como na espalmada espetacular em chute de Cláudio Adão, que bateu na bola a três passos da pequena área após falha da defesa alvinegra. Ou cortando um cruzamento açucarado de Reinaldo para Cláudio Adão, que entrava sozinho na marca do pênalti, após outra bobeada da zaga. Completamente fechado após o gol, o Botafogo só teve outra chance clara no minuto final da etapa, quando Gil fez bom passe para Marcelo, que driblou o goleiro rival e, sem ângulo, tentou cruzar para Renato Sá. O goleiro Cantarele, incrivelmente, conseguiu se recuperar e ficar com a bola.

O Flamengo voltou ainda mais cheio de gás para o segundo tempo, mas Borrachinha seguiu fazendo milagres. Em um dos lances mais incríveis do jogo, Cláudio Adão recebeu bom cruzamento e subiu junto com Renê, que travou a cabeçada do rival. A bola espirrou para trás e sobrou para Zico, que na entrada da área acertou um de seus belos chutes, com endereço certo no ângulo direito do gol. Borrachinha, fazendo jus ao apelido, conseguiu se esticar todo e mandar a redonda para fora. E à medida que o tempo passava o nervosismo e o cansaço do Fla, que desesperado começou a apelar para as bolas altas, aumentava.

Os últimos quinze minutos foram dramáticos. Ou melhor, vinte, pois o juiz José Roberto Wright, muito criticado pelos alvinegros após o jogo, resolveu dar cinco minutos de acréscimo. Perivaldo foi expulso após falta violenta, deixando o Botafogo com dez jogadores. E pouco depois o atacante Gil sentiu a coxa, mal podendo caminhar, deixando a Estrela Solitária, que gastara todas as substituições, efetivamente com nove em campo.

O Flamengo quase empatou com Zico, após bom cruzamento de Luizinho. O Galinho cabeceou de frente para a pequena área, no cantinho esquerdo, mas Borrachinha conseguiu triscar a bola com a ponta dos dedos, desviando-a para a linha de fundo. Mas o lance do jogo foi aos 47, quando Luizinho recebeu a bola pela esquerda, avançou, e chutou com força. Borrachinha defendeu o tiro, mas deu rebote, e a esfera sobrou na marca do pênalti. Júnior veio na velocidade e entrou batendo, mas o goleiro alvinegro, o gigante da noite, se atirou nos pés do rival, travando o chute que espirrou para longe. O dia era mesmo do Botafogo.

Fim de jogo, e muita festa pelo recorde mantido – até hoje, aliás, já que time algum voltou a chegar perto da marca. Mais uma glória entre tantas das cores alvinegras, que agigantam heróis improváveis.

== Ficha técnica ==

Domingo, 3 de junho de 1979

Botafogo 1 x 0 Flamengo – Local: Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã)
Campeonato Estadual do Rio de Janeiro – 1º Turno (Taça Guanabara)

Botafogo: Borrachinha; Perivaldo, Nílson Andrade, Renê e China; Ruço (Romero), Mendonça e Renato Sá; Gil, Marcelo e Ziza (Chiquinho). Técnico: Joel Martins da Fonseca.

Flamengo: Cantarele; Toninho Baiano, Rondinelli, Manguito e Júnior; Carpegiani, Adílio (Luizinho) e Zico; Reinaldo, Cláudio Adão e Júlio César. Técnico: Cláudio Coutinho.

Árbitro: José Roberto Wright (RJ).
Gol: Renato aos 9/1ºT.
Expulsão: Perivaldo.

Público: 139.098

Por Auriel de Almeida - Historiador

Entre 1977 e 1978 o Glorioso conquistou mais um recorde nacional, ao permanecer invicto por 52 jogos. A série começou em 21 de setembro de 1977, no empate em 1 a 1 com a Portuguesa, e só terminou em 20 de julho de 1978, na derrota para o Grêmio por 3 a 0, com dois gols de Renato Sá.

No mesmo ano em que o Botafogo estabeleceu a marca, outro clube iniciou uma série invicta – o Flamengo. Por meses o esquadrão de Zico, Adílio, Júnior e Rondinelli não soube o que era perder, e conseguiu igualar o feito alvinegro. E justamente contra o Bota, em jogo válido pelo Campeonato Carioca, os rubro-negros poderiam derrubar o recorde – bastava um empate para o Fla estabelecer sua 53ª partida sem derrota. Mas o encontro não foi exatamente uma coincidência.

Esclarecendo: o recorde do Glorioso começou com os dois últimos jogos do Campeonato Carioca de 1977, passou por oito amistosos e contou com nada menos do que 42 partidas do concorrido Campeonato Brasileiro. Já a marca do Flamengo foi construída em cima de 33 jogos da competição estadual e 19 amistosos, sem partidas no torneio nacional. E a quantidade maior de amistosos do Rubro-Negro se devia exatamente à contade que o clube tinha em quebrar o recorde adversário.

Muitos desses jogos foram de qualidade duvidosa, como o combinado “armado às pressas” (palavras do "Jornal do Brasil"), por ABC, Alecrim e América, de Natal. E calculando para que a 53ª partida fosse justamente contra o Botafogo, pelo Campeonato Estadual, o que engrandeceria ainda mais o feito, o Flamengo chegou a jogar tais amistosos dia sim, dia não.

Se a intenção era mesmo quebrar o recorde nacional de invencibilidade, os rubro-negros deveriam ter escolhido outro adversário.

VÍDEO DO CANAL 100



O JOGO

Quando Borrachinha foi anunciado na escalação do Botafogo, a um dia do jogo, a confiança dos rubro-negros triplicou, e os alvinegros jogaram a toalha. Borrachinha era apenas o terceiro goleiro do Bota, que já vinha utilizando o reserva, Ubirajara, no lugar do titular Zé Carlos, hospitalizado após um terrível acidente automobilístico. E se as notícias eram más na defesa, o ataque também ganhava um importante desfalque: Luisinho, artilheiro do clube na temporada, que assim como Ubirajara se machucou na semana do clássico.

Franzino e reserva em todos os times por onde passou, Borrachinha era visto com tanta desconfiança que alguns dirigentes alvinegros fizeram pressão para que Luiz Carlos, goleiro que se destacava nos juvenis, fosse escalado no seu lugar. Mas os que não queriam jogar o jovem no fogo venceram a queda-de-braço, e Borrachinha foi mesmo confirmado para a partida histórica.

O Maracanã recebeu um público enorme – mais de 139 mil pessoas – e a festa estava preparada para o Flamengo. Antes do apito inicial os jogadores do Rubro-Negro foram presenteados com medalhas comemorativas pelo recorde de invencibilidade, até então apenas igualado e prestes a ser batido.

Mas a comemoração não durou muito. Logo aos 9 minutos de jogo Renato Sá – o mesmo que, jogando pelo Grêmio, derrubou a marca alvinegra – aplicou um belo chapéu em Toninho Baiano e chutou com categoria, da entrada da área, no canto direito de Cantarele, que nada pôde fazer: 1 a 0 para o Botafogo. Festa entre os botafoguenses que acreditavam no time, em minoria no estádio.

Foi então que a improvável estrela de Borrachinha começou a brilhar. Com o Flamengo se atirando desesperadamente ao ataque, em busca ao menos de um empate, o goleiro reserva fechou o gol. Como na espalmada espetacular em chute de Cláudio Adão, que bateu na bola a três passos da pequena área após falha da defesa alvinegra. Ou cortando um cruzamento açucarado de Reinaldo para Cláudio Adão, que entrava sozinho na marca do pênalti, após outra bobeada da zaga. Completamente fechado após o gol, o Botafogo só teve outra chance clara no minuto final da etapa, quando Gil fez bom passe para Marcelo, que driblou o goleiro rival e, sem ângulo, tentou cruzar para Renato Sá. O goleiro Cantarele, incrivelmente, conseguiu se recuperar e ficar com a bola.

O Flamengo voltou ainda mais cheio de gás para o segundo tempo, mas Borrachinha seguiu fazendo milagres. Em um dos lances mais incríveis do jogo, Cláudio Adão recebeu bom cruzamento e subiu junto com Renê, que travou a cabeçada do rival. A bola espirrou para trás e sobrou para Zico, que na entrada da área acertou um de seus belos chutes, com endereço certo no ângulo direito do gol. Borrachinha, fazendo jus ao apelido, conseguiu se esticar todo e mandar a redonda para fora. E à medida que o tempo passava o nervosismo e o cansaço do Fla, que desesperado começou a apelar para as bolas altas, aumentava.

Os últimos quinze minutos foram dramáticos. Ou melhor, vinte, pois o juiz José Roberto Wright, muito criticado pelos alvinegros após o jogo, resolveu dar cinco minutos de acréscimo. Perivaldo foi expulso após falta violenta, deixando o Botafogo com dez jogadores. E pouco depois o atacante Gil sentiu a coxa, mal podendo caminhar, deixando a Estrela Solitária, que gastara todas as substituições, efetivamente com nove em campo.

O Flamengo quase empatou com Zico, após bom cruzamento de Luizinho. O Galinho cabeceou de frente para a pequena área, no cantinho esquerdo, mas Borrachinha conseguiu triscar a bola com a ponta dos dedos, desviando-a para a linha de fundo. Mas o lance do jogo foi aos 47, quando Luizinho recebeu a bola pela esquerda, avançou, e chutou com força. Borrachinha defendeu o tiro, mas deu rebote, e a esfera sobrou na marca do pênalti. Júnior veio na velocidade e entrou batendo, mas o goleiro alvinegro, o gigante da noite, se atirou nos pés do rival, travando o chute que espirrou para longe. O dia era mesmo do Botafogo.

Fim de jogo, e muita festa pelo recorde mantido – até hoje, aliás, já que time algum voltou a chegar perto da marca. Mais uma glória entre tantas das cores alvinegras, que agigantam heróis improváveis.

== Ficha técnica ==

Domingo, 3 de junho de 1979

Botafogo 1 x 0 Flamengo – Local: Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã)
Campeonato Estadual do Rio de Janeiro – 1º Turno (Taça Guanabara)

Botafogo: Borrachinha; Perivaldo, Nílson Andrade, Renê e China; Ruço (Romero), Mendonça e Renato Sá; Gil, Marcelo e Ziza (Chiquinho). Técnico: Joel Martins da Fonseca.

Flamengo: Cantarele; Toninho Baiano, Rondinelli, Manguito e Júnior; Carpegiani, Adílio (Luizinho) e Zico; Reinaldo, Cláudio Adão e Júlio César. Técnico: Cláudio Coutinho.

Árbitro: José Roberto Wright (RJ).
Gol: Renato aos 9/1ºT.
Expulsão: Perivaldo.

Público: 139.098