Tu És o Glorioso - 17

Em 1995, Botafogo voltava a conquistar o Brasil. Relembre o título!

Atualizado em 26-05-2015 às 10h30

Por Auriel de Almeida - Historiador

Com a retomada de títulos no final da década de 80, a torcida alvinegra não pensava em outra coisa – o Campeonato Brasileiro. A equipe de 1989 não se classificou para as finais da competição nacional por apenas um ponto, e ficou em quarto. Nos campeonatos de 1990 e 1991 a posição foi ruim – décimo-segundo – mas o campeonato fora tão equilibrado que a distância para a primeira posição foi, respectivamente, de apenas cinco e oito pontos. Em 1992 o vice-campeonato foi doído, e em 1993 não teve jeito: os valentes campeões da Copa Conmebol podiam ter chance em um mata-mata, mas não em um torneio de todos contra todos, e a campanha foi ruim.

Em 1994 a equipe do Botafogo era bem melhor do que a do ano anterior. Contratara o goiano Túlio, artilheiro do Brasileirão de 1989 pelo Goiás e vindo de boa passagem do suíço Sion, e fez um bom papel no torneio nacional, que no entanto foi insuficiente. O Glorioso terminou a primeira e a segunda fase na liderança de seu grupo, mas acabou saindo do torneio nas quartas-de-final após uma derrota por 2 a 0 e uma vitória por 2 a 1 contra o Atlético Mineiro. Ao menos havia feito o artilheiro da competição: Túlio.

Em 1995 o goleador estava ainda mais inspirado, agora fazendo dupla com Donizete. O Glorioso até começou um pouco lento no Brasileirão, terminando o primeiro turno em quinto na chave, mas no segundo não teve pra ninguém: primeiro lugar no grupo B e classificação para as semifinais, contra o Cruzeiro. Com a vantagem de dois resultados iguais o Botafogo empatou a primeira partida, em Minas, em 1 a 1, e jogando com inteligência no Rio, controlou a segunda, segurando o zero que o classificou.

Na final, o Alvinegro encararia um Santos empolgado. O clube paulista, sem títulos desde 1984 e considerado sem futuro pelos conhecidos pessimistas seletivos que habitam certos veículos de imprensa, havia conseguido uma virada incrível sobre o Fluminense nas semifinais, revertendo uma derrota de 4 a 1 na primeira partida com uma goleada humilhante sobre a equipe de Renato Gaúcho por 5 a 2. A torcida santista, enlouquecida, sentia que chegara a hora do clube voltar a seus dias de glória. E a confiança chegou a ser exagerada.

No primeiro jogo, no Maracanã, a vitória foi do Glorioso por 2  a 1. O time não jogou o seu melhor, mas o suficiente contra um rival que parecia não querer vencer. Confiantes de que poderiam reverter facilmente a partida no Pacaembu, como fizeram contra o Tricolor, os santistas chegaram a segurar a bola na defesa enquanto perdiam, esperando o tempo passar. E ao fim da partida, o maior dos absurdos: os paulistas presentes passaram a gritar “é campeão”! Os jogadores do Botafogo ficaram revoltados, a ponto de Gonçalves, transtornado, chegar perto do fosso e discutir com torcedores do Santos.

A sensação de “já venceu” não era exclusividade da torcida. Giovanni, o craque do time paulista, afirmou na saída que o Peixe tinha perdido para si. O lateral Vágner, suspenso do jogo seguinte, foi mais direto: “Santistas, todos ao Pacaembu! Perdemos por falha nossa, não por mérito do Botafogo. Vamos reverter essa situação!”. E a festa santista já estava preparada.

Só faltou combinar com o Botafogo...

VÍDEO 

O JOGO

Os santistas, de cabelos vermelhos, entraram em campo ovacionados por um público fanático, boa parte do qual também havia pintado a cabeça. A moda estranha era parte de uma promessa feita pelos jogadores, que começaram o Brasileirão totalmente desacreditados pela imprensa esportiva e, contra todas as expectativas, estavam na final. Ironicamente, a promessa não serviu de lembrete sobre o quão perigoso é menosprezar um rival.

O jogo começou disputado, com os botafoguenses Leandro Ávila e Jamir marcando muito bem o craque Giovanni no meio-de-campo. Visivelmente sem condições, Donizete jogava no sacrifício – quase fora cortado, mas insistira muito para estar em campo na partida do título – o que obrigou Túlio a mudar o seu estilo de jogar, voltando para a marcação e deixando o colega mais isolado no ataque. Se com isso as jogadas de ataque alvinegras eram raras, o domínio do Botafogo no meio de campo só crescia, aumentando a tranquilidade da equipe, que só precisava de um empate para ficar com a taça.

Aos 24 minutos a estrela de Túlio brilhou. Jamelli fez falta em André Silva pela esquerda, e Sérgio Manoel foi para a cobrança. O meia cruzou para a área e a bola sobrou limpinha para Túlio, sempre ele, mais uma vez no lugar certo e no momento certo, e o ídolo só empurrou: 1 a 0 para o Glorioso. A vantagem que já era boa tornou-se maravilhosa, e o título brasileiro estava ainda mais próximo.

O gol será, para sempre, o mais reclamado em toda história pelos santistas. O motivo: Túlio estava impedido. Mas não no momento em que Sérgio Manoel cobrou a falta, pois na ocasião o atacante estava em posição legal. No caminho, porém, Jamir e Carlinhos pularam juntos na bola, desviada para os pés de Túlio, e o craque totalmente desmarcado e já impedido não perdoou. No replay ficou claro que apenas Jamir tocou na bola – se fosse o santista Carlinhos, não haveria impedimento – mas no mundo real, não. E o juiz Márcio Rezende de Freitas não anulou o lance. A jogada foi tão difícil que nenhum atleta do Santos reclamou no momento. Apenas no vestiário souberam da irregularidade.

O Peixe ficou desestabilizado com o gol, mas seus torcedores não, crentes no título que parecia “escrito”, e continuaram empurrando a sua equipe, que foi desesperada ao ataque. Mas o time da Estrela Solitária, seguro, manteve o jogo na mão a etapa inteira. A grande chance do Santos no primeiro tempo foi em uma cobrança de escanteio de Jamelli na cabeça de Giovanni, mas o “Messias” errou, mandando a ótima chance para a linha de fundo.

As coisas melhorariam para os paulistas na etapa final, quando o lateral-esquerdo André Silva se machucou, dando lugar para o meio-de-campo Moisés. Sérgio Manoel foi deslocado para a posição de André, e não correspondeu de início: exatamente daquele lado Marquinhos Capixaba avançou, driblou Sérgio Manoel, penetrou na área e, caindo no chão, entre dois, conseguiu tocar para Camanducaia, que fuzilou: 1 a 1, e delírio no Pacaembu. O gol, porém, foi ilegal, pois Marquinhos Capixaba, no chão, tinha feito o passe para Camanducaia com a mão. Justiça seja feita, não houve como o juiz Márcio Rezende de Freitas enxergar – o lance estava totalmente encoberto pelos jogadores.

O empate conseguido em menos de dois minutos animou e muito o Santos, mas o clube paulista, com o peso de um jejum nas costas, seguiu desorganizado, partindo para o abafa sem qualquer padrão de jogo – nem parecia a equipe que massacrara o Fluminense nas semifinais praticando um futebol perfeito. E o Botafogo, que já havia feito as pazes com a glória, seguiu concentrado e sereno, com Sérgio Manoel fechando melhor o lado esquerdo.

Então foi a vez de uma nova estrela brilhar: Wágner. Com ao menos três defesas antológicas, o goleirão botafoguense foi um verdadeiro pesadelo para os atacantes rivais. Aos 28 minutos Marcelo Passos cobrou falta com categoria que Wágner espalmou, de mão trocada, após salto impressionante. Aos 30 minutos mais uma cobrança de falta, da ponta esquerda, que Marcelo Passos poderia até cruzar, mas o santista preferiu arriscar e acertou um chute ainda mais bonito, venenosíssimo, para outra espalmada de mão trocada de Wágner. E aos 35 foi a vez de Giovanni sofrer nas mãos do alvinegro: o endeusado craque do Peixe recebeu de frente para o gol e chutou de canhota, rasteiro, com endereço certo no cantinho do gol. Wágner pulou, se esticou todo e com a ponta dos dedos desviou para fora. Naquele dia, o goleiro do Glorioso pegou até pensamento.

Mas aí veio mais um lance polêmico. Outra falta para o Santos, e Marcelo Passos, que já desistira de tentar vencer Wágner, preferiu cruzar. A bola foi na cabeça de Camanducaia, que empurrou para o fundo das redes – mas o árbitro parou a jogada, apontando impedimento. O lance foi dificílimo. No momento exato do cruzamento o atacante estava em posição legal, mas a movimentação dos jogadores foi tão rápida que no espaço entre olhar o toque na bola e olhar a posição dos atletas na área, Camanducaia já parecia completamente impedido. Uma daquelas jogadas que só são fáceis analisadas em videoteipe, no conforto do ar-condicionado do camarote.

O lamento que acompanhará as lembranças santistas por toda a eternidade, sempre que se fala em 1995, bem que poderia ter sido evitado se o incrível petardo disparado por Donizete não tivesse explodido no travessão. Já se arrastando em campo e tirando forças não se sabe de onde, o “Pantera” surpreendeu a todos arrancando pela esquerda, vencendo o marcador na corrida e mandando um balaço na trave que o atônito goleiro Edinho, filho de Pelé, só pôde olhar. Uma entrega impressionante do ídolo, e por muito pouco o Botafogo não marcou o gol de uma vitória que pouparia a melhor equipe do campeonato de tanta contestação.

A partida ainda foi esticada, desnecessariamente, até os 49 minutos, para o desespero de botafoguenses e santistas. Mas já descontrolados os jogadores do Santos não conseguiram mais nada. A festa no Pacaembu, tão prenunciada pelo time paulista, era mesmo do Glorioso Botafogo, o campeão brasileiro de 1995. Uma vitória do talento e do trabalho sobre a prepotência.

No Rio de Janeiro, euforia coletiva. Cerca de dois mil alucinados alvinegros invadiram o aeroporto Santos Dumont esperando o retorno dos heróis do título. O dono de uma das lojas locais, impressionado, confidenciou ao repórter: “em 40 anos trabalhando no aeroporto, jamais vi algo igual!”. Com o estacionamento do aeroporto não dando conta, os botafoguenses começaram a largar os carros no Aterro do Flamengo e correr feito loucos para a recepção dos campeões. E quando o avião chegou, não teve jeito: aos gritos de “não tem paulista, não tem mineiro, o Botafogo é campeão brasileiro!” e “pode preparar o confete, esse ano é de Túlio e Donizete!”, a torcida simplesmente invadiu a pista do Santos Dumont, com os mais ensandecidos subindo nas asas do avião. Loucura era pouco para descrever o que tomou o coração dos alvinegros naquele dia.

A caravana campeã seguiu para General Severiano, que mais parecia um formigueiro, com torcedores espalhados até o Túnel Novo. E em meio à festa, o ídolo Túlio Maravilha, carrasco do Santos e artilheiro do Campeonato Brasileiro com 23 gols, desfilou com uma vara de pescar com um peixe morto pendurado. A provocação era uma resposta aos santistas que gritaram “é campeão” após a derrota no Maracanã, no primeiro jogo. Na ocasião, o craque prometera “fisgar o Peixe” na comemoração da conquista.

E após a longa madrugada de festejos, uma pontinha de indignação com o noticiário do dia seguinte. A decepção dos paulistas, proporcional à enorme expectativa que tinham em conquistar o título brasileiro, atingiu níveis jamais vistos na imprensa local, que tentava desmerecer o Botafogo a qualquer custo.

Erros de arbitragem, em lances difíceis e com inúmeros paralelos em decisões anteriores do Campeonato Brasileiro foram tratados como garfadas colossais, grosseiras e, pior, propositais, como se o árbitro não tivesse errado para os dois lados e o desenrolar do jogo fosse mera questão matemática de “tira um gol daqui, bota outro ali”. O ponto alto foi a venda de pôsteres tratando o vice como "campeão moral" ou "melhor time do Brasil".

A verdade é que o Santos não era considerado candidato à taça, no meio do caminho cresceu de produção, e só após a classificação milagrosa nas semis a torcida santista e a imprensa de São Paulo passaram a acreditar que a conquista já estava escrita, intitulando o jogador Giovanni de “Messias” – confiança que se tornou desrespeitosa quando mesmo derrotado o Peixe comemorou o título, com um jogo de antecedência.

Se havia uma estrela na qual o Campeonato Brasileiro daquele ano estava escrito era mesmo a Estrela Solitária, que guia o Glorioso Botafogo. Na bola e na moral, o legítimo campeão do Brasil de 1995.

==FICHA TÉCNICA==
Domingo, 17 de dezembro de 1995
Santos 1 x 1 Botafogo – Local: Estádio Municipal do Pacaembu
Campeonato Brasileiro da Séria A – 2º jogo da Final

Santos: Edinho, Marquinhos Capixaba, Ronaldo, Narciso e Marcos Adriano; Carlinhos, Marcelo Passos, Giovanni e Robert (Macedo); Camanducaia e Jamelli. Técnico: Cabralzinho.
Botafogo: Wágner, Wilson Goiano, Wilson Gottardo, Gonçalves e André Silva (Moisés); Leandro Ávila, Jamir, Beto e Sérgio Manoel; Donizete e Túlio Maravilha. Técnico: Paulo Autuori.
Árbitro: Márcio Rezende de Freitas (MG).
Gols: Túlio aos 24/1ºT ; Marcelo Passos aos 1/2ºT.
Público: 28.488

Por Auriel de Almeida - Historiador

Com a retomada de títulos no final da década de 80, a torcida alvinegra não pensava em outra coisa – o Campeonato Brasileiro. A equipe de 1989 não se classificou para as finais da competição nacional por apenas um ponto, e ficou em quarto. Nos campeonatos de 1990 e 1991 a posição foi ruim – décimo-segundo – mas o campeonato fora tão equilibrado que a distância para a primeira posição foi, respectivamente, de apenas cinco e oito pontos. Em 1992 o vice-campeonato foi doído, e em 1993 não teve jeito: os valentes campeões da Copa Conmebol podiam ter chance em um mata-mata, mas não em um torneio de todos contra todos, e a campanha foi ruim.

Em 1994 a equipe do Botafogo era bem melhor do que a do ano anterior. Contratara o goiano Túlio, artilheiro do Brasileirão de 1989 pelo Goiás e vindo de boa passagem do suíço Sion, e fez um bom papel no torneio nacional, que no entanto foi insuficiente. O Glorioso terminou a primeira e a segunda fase na liderança de seu grupo, mas acabou saindo do torneio nas quartas-de-final após uma derrota por 2 a 0 e uma vitória por 2 a 1 contra o Atlético Mineiro. Ao menos havia feito o artilheiro da competição: Túlio.

Em 1995 o goleador estava ainda mais inspirado, agora fazendo dupla com Donizete. O Glorioso até começou um pouco lento no Brasileirão, terminando o primeiro turno em quinto na chave, mas no segundo não teve pra ninguém: primeiro lugar no grupo B e classificação para as semifinais, contra o Cruzeiro. Com a vantagem de dois resultados iguais o Botafogo empatou a primeira partida, em Minas, em 1 a 1, e jogando com inteligência no Rio, controlou a segunda, segurando o zero que o classificou.

Na final, o Alvinegro encararia um Santos empolgado. O clube paulista, sem títulos desde 1984 e considerado sem futuro pelos conhecidos pessimistas seletivos que habitam certos veículos de imprensa, havia conseguido uma virada incrível sobre o Fluminense nas semifinais, revertendo uma derrota de 4 a 1 na primeira partida com uma goleada humilhante sobre a equipe de Renato Gaúcho por 5 a 2. A torcida santista, enlouquecida, sentia que chegara a hora do clube voltar a seus dias de glória. E a confiança chegou a ser exagerada.

No primeiro jogo, no Maracanã, a vitória foi do Glorioso por 2  a 1. O time não jogou o seu melhor, mas o suficiente contra um rival que parecia não querer vencer. Confiantes de que poderiam reverter facilmente a partida no Pacaembu, como fizeram contra o Tricolor, os santistas chegaram a segurar a bola na defesa enquanto perdiam, esperando o tempo passar. E ao fim da partida, o maior dos absurdos: os paulistas presentes passaram a gritar “é campeão”! Os jogadores do Botafogo ficaram revoltados, a ponto de Gonçalves, transtornado, chegar perto do fosso e discutir com torcedores do Santos.

A sensação de “já venceu” não era exclusividade da torcida. Giovanni, o craque do time paulista, afirmou na saída que o Peixe tinha perdido para si. O lateral Vágner, suspenso do jogo seguinte, foi mais direto: “Santistas, todos ao Pacaembu! Perdemos por falha nossa, não por mérito do Botafogo. Vamos reverter essa situação!”. E a festa santista já estava preparada.

Só faltou combinar com o Botafogo...

VÍDEO 

O JOGO

Os santistas, de cabelos vermelhos, entraram em campo ovacionados por um público fanático, boa parte do qual também havia pintado a cabeça. A moda estranha era parte de uma promessa feita pelos jogadores, que começaram o Brasileirão totalmente desacreditados pela imprensa esportiva e, contra todas as expectativas, estavam na final. Ironicamente, a promessa não serviu de lembrete sobre o quão perigoso é menosprezar um rival.

O jogo começou disputado, com os botafoguenses Leandro Ávila e Jamir marcando muito bem o craque Giovanni no meio-de-campo. Visivelmente sem condições, Donizete jogava no sacrifício – quase fora cortado, mas insistira muito para estar em campo na partida do título – o que obrigou Túlio a mudar o seu estilo de jogar, voltando para a marcação e deixando o colega mais isolado no ataque. Se com isso as jogadas de ataque alvinegras eram raras, o domínio do Botafogo no meio de campo só crescia, aumentando a tranquilidade da equipe, que só precisava de um empate para ficar com a taça.

Aos 24 minutos a estrela de Túlio brilhou. Jamelli fez falta em André Silva pela esquerda, e Sérgio Manoel foi para a cobrança. O meia cruzou para a área e a bola sobrou limpinha para Túlio, sempre ele, mais uma vez no lugar certo e no momento certo, e o ídolo só empurrou: 1 a 0 para o Glorioso. A vantagem que já era boa tornou-se maravilhosa, e o título brasileiro estava ainda mais próximo.

O gol será, para sempre, o mais reclamado em toda história pelos santistas. O motivo: Túlio estava impedido. Mas não no momento em que Sérgio Manoel cobrou a falta, pois na ocasião o atacante estava em posição legal. No caminho, porém, Jamir e Carlinhos pularam juntos na bola, desviada para os pés de Túlio, e o craque totalmente desmarcado e já impedido não perdoou. No replay ficou claro que apenas Jamir tocou na bola – se fosse o santista Carlinhos, não haveria impedimento – mas no mundo real, não. E o juiz Márcio Rezende de Freitas não anulou o lance. A jogada foi tão difícil que nenhum atleta do Santos reclamou no momento. Apenas no vestiário souberam da irregularidade.

O Peixe ficou desestabilizado com o gol, mas seus torcedores não, crentes no título que parecia “escrito”, e continuaram empurrando a sua equipe, que foi desesperada ao ataque. Mas o time da Estrela Solitária, seguro, manteve o jogo na mão a etapa inteira. A grande chance do Santos no primeiro tempo foi em uma cobrança de escanteio de Jamelli na cabeça de Giovanni, mas o “Messias” errou, mandando a ótima chance para a linha de fundo.

As coisas melhorariam para os paulistas na etapa final, quando o lateral-esquerdo André Silva se machucou, dando lugar para o meio-de-campo Moisés. Sérgio Manoel foi deslocado para a posição de André, e não correspondeu de início: exatamente daquele lado Marquinhos Capixaba avançou, driblou Sérgio Manoel, penetrou na área e, caindo no chão, entre dois, conseguiu tocar para Camanducaia, que fuzilou: 1 a 1, e delírio no Pacaembu. O gol, porém, foi ilegal, pois Marquinhos Capixaba, no chão, tinha feito o passe para Camanducaia com a mão. Justiça seja feita, não houve como o juiz Márcio Rezende de Freitas enxergar – o lance estava totalmente encoberto pelos jogadores.

O empate conseguido em menos de dois minutos animou e muito o Santos, mas o clube paulista, com o peso de um jejum nas costas, seguiu desorganizado, partindo para o abafa sem qualquer padrão de jogo – nem parecia a equipe que massacrara o Fluminense nas semifinais praticando um futebol perfeito. E o Botafogo, que já havia feito as pazes com a glória, seguiu concentrado e sereno, com Sérgio Manoel fechando melhor o lado esquerdo.

Então foi a vez de uma nova estrela brilhar: Wágner. Com ao menos três defesas antológicas, o goleirão botafoguense foi um verdadeiro pesadelo para os atacantes rivais. Aos 28 minutos Marcelo Passos cobrou falta com categoria que Wágner espalmou, de mão trocada, após salto impressionante. Aos 30 minutos mais uma cobrança de falta, da ponta esquerda, que Marcelo Passos poderia até cruzar, mas o santista preferiu arriscar e acertou um chute ainda mais bonito, venenosíssimo, para outra espalmada de mão trocada de Wágner. E aos 35 foi a vez de Giovanni sofrer nas mãos do alvinegro: o endeusado craque do Peixe recebeu de frente para o gol e chutou de canhota, rasteiro, com endereço certo no cantinho do gol. Wágner pulou, se esticou todo e com a ponta dos dedos desviou para fora. Naquele dia, o goleiro do Glorioso pegou até pensamento.

Mas aí veio mais um lance polêmico. Outra falta para o Santos, e Marcelo Passos, que já desistira de tentar vencer Wágner, preferiu cruzar. A bola foi na cabeça de Camanducaia, que empurrou para o fundo das redes – mas o árbitro parou a jogada, apontando impedimento. O lance foi dificílimo. No momento exato do cruzamento o atacante estava em posição legal, mas a movimentação dos jogadores foi tão rápida que no espaço entre olhar o toque na bola e olhar a posição dos atletas na área, Camanducaia já parecia completamente impedido. Uma daquelas jogadas que só são fáceis analisadas em videoteipe, no conforto do ar-condicionado do camarote.

O lamento que acompanhará as lembranças santistas por toda a eternidade, sempre que se fala em 1995, bem que poderia ter sido evitado se o incrível petardo disparado por Donizete não tivesse explodido no travessão. Já se arrastando em campo e tirando forças não se sabe de onde, o “Pantera” surpreendeu a todos arrancando pela esquerda, vencendo o marcador na corrida e mandando um balaço na trave que o atônito goleiro Edinho, filho de Pelé, só pôde olhar. Uma entrega impressionante do ídolo, e por muito pouco o Botafogo não marcou o gol de uma vitória que pouparia a melhor equipe do campeonato de tanta contestação.

A partida ainda foi esticada, desnecessariamente, até os 49 minutos, para o desespero de botafoguenses e santistas. Mas já descontrolados os jogadores do Santos não conseguiram mais nada. A festa no Pacaembu, tão prenunciada pelo time paulista, era mesmo do Glorioso Botafogo, o campeão brasileiro de 1995. Uma vitória do talento e do trabalho sobre a prepotência.

No Rio de Janeiro, euforia coletiva. Cerca de dois mil alucinados alvinegros invadiram o aeroporto Santos Dumont esperando o retorno dos heróis do título. O dono de uma das lojas locais, impressionado, confidenciou ao repórter: “em 40 anos trabalhando no aeroporto, jamais vi algo igual!”. Com o estacionamento do aeroporto não dando conta, os botafoguenses começaram a largar os carros no Aterro do Flamengo e correr feito loucos para a recepção dos campeões. E quando o avião chegou, não teve jeito: aos gritos de “não tem paulista, não tem mineiro, o Botafogo é campeão brasileiro!” e “pode preparar o confete, esse ano é de Túlio e Donizete!”, a torcida simplesmente invadiu a pista do Santos Dumont, com os mais ensandecidos subindo nas asas do avião. Loucura era pouco para descrever o que tomou o coração dos alvinegros naquele dia.

A caravana campeã seguiu para General Severiano, que mais parecia um formigueiro, com torcedores espalhados até o Túnel Novo. E em meio à festa, o ídolo Túlio Maravilha, carrasco do Santos e artilheiro do Campeonato Brasileiro com 23 gols, desfilou com uma vara de pescar com um peixe morto pendurado. A provocação era uma resposta aos santistas que gritaram “é campeão” após a derrota no Maracanã, no primeiro jogo. Na ocasião, o craque prometera “fisgar o Peixe” na comemoração da conquista.

E após a longa madrugada de festejos, uma pontinha de indignação com o noticiário do dia seguinte. A decepção dos paulistas, proporcional à enorme expectativa que tinham em conquistar o título brasileiro, atingiu níveis jamais vistos na imprensa local, que tentava desmerecer o Botafogo a qualquer custo.

Erros de arbitragem, em lances difíceis e com inúmeros paralelos em decisões anteriores do Campeonato Brasileiro foram tratados como garfadas colossais, grosseiras e, pior, propositais, como se o árbitro não tivesse errado para os dois lados e o desenrolar do jogo fosse mera questão matemática de “tira um gol daqui, bota outro ali”. O ponto alto foi a venda de pôsteres tratando o vice como "campeão moral" ou "melhor time do Brasil".

A verdade é que o Santos não era considerado candidato à taça, no meio do caminho cresceu de produção, e só após a classificação milagrosa nas semis a torcida santista e a imprensa de São Paulo passaram a acreditar que a conquista já estava escrita, intitulando o jogador Giovanni de “Messias” – confiança que se tornou desrespeitosa quando mesmo derrotado o Peixe comemorou o título, com um jogo de antecedência.

Se havia uma estrela na qual o Campeonato Brasileiro daquele ano estava escrito era mesmo a Estrela Solitária, que guia o Glorioso Botafogo. Na bola e na moral, o legítimo campeão do Brasil de 1995.

==FICHA TÉCNICA==
Domingo, 17 de dezembro de 1995
Santos 1 x 1 Botafogo – Local: Estádio Municipal do Pacaembu
Campeonato Brasileiro da Séria A – 2º jogo da Final

Santos: Edinho, Marquinhos Capixaba, Ronaldo, Narciso e Marcos Adriano; Carlinhos, Marcelo Passos, Giovanni e Robert (Macedo); Camanducaia e Jamelli. Técnico: Cabralzinho.
Botafogo: Wágner, Wilson Goiano, Wilson Gottardo, Gonçalves e André Silva (Moisés); Leandro Ávila, Jamir, Beto e Sérgio Manoel; Donizete e Túlio Maravilha. Técnico: Paulo Autuori.
Árbitro: Márcio Rezende de Freitas (MG).
Gols: Túlio aos 24/1ºT ; Marcelo Passos aos 1/2ºT.
Público: 28.488